quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O Dano Causado por Décadas de Erosão da Confiança e da Democracia
BENJAMIN BARBER
O famoso teórico norte-americano da democracia republicana radical, Benjamin Barber, argumenta neste artigo que as raízes da turbulência financeira também se encontram no déficit democrático. Restabelecer a confiança cívica é crucial para que a economia funcione numa sociedade democrática.

Os remédios econômicos da crise fiscal seguem frustrando a quem os respalda politicamente. Na segunda-feira fatídica em que o Congresso se negou a aprovar o plano de resgate de 700 bilhões de dólares, o mercado caiu 477 pontos. Alguns dias depois, quando o Congresso recuou e aprovou o plano de resgate dos 700 bilhões, o mercado caiu quase 800 pontos. Desde então tem dado voltas com fúria, levando os mercados da Grã Bretanha, Europa continental e Ásia à beira do abismo. O que acontece, uma crise do capital econômico ou de confiança fiscal?
Nem uma coisa nem outra, exatamente. Como a histeria global deixa claro, está em jogo a confiança, mas não a confiança puramente fiscal ou econômica. Desalavancar os bancos, assegurar os depósitos, penalizar executivos e socializar o risco não basta para o que faz falta, porque a confiança é, em última instância e mais concretamente, democrática.
A confiança é uma forma crucial de capital social, é um reconhecimento do terreno comum em que nos movemos como cidadãos. É o cimento que mantém unidos os produtores e os consumidores rivais e lhes permite fazer negócios que, do contrário, lhes destruiria, ao passo que toda a ênfase do mercado reside na competência, no egoísmo e no narcisismo como instrumentos de cálculo.
Contudo, o segredo obscuro é que o capitalismo de mercado só funciona quando pode se nutrir de maneira parasitária do capital social democrático ativo. Quando muitas hipotecas não são pagas e os bancos são pressionados e se vende muito papel de má qualidade e muitos hedge funds não se dão conta do que têm comprado e o crédito se congela e os valores cambaleiam, aparece o déficit de confiança. E nenhuma dose de ajuste fiscal, estímulo governamental, reforma bancária, desalavancagem resoluta ou retórica presidencial ou ministerial podem sanar esse déficit democrático.
Porque o segredo da mão invisível não é o capital econômico, mas o social. Adam Smith sabia que os sentimentos morais não são menos importantes para assegurar a riqueza das nações que os mercados de capital. A crise de liquidez é uma crise política; o déficit creditício é um déficit democrático. Porque a confiança é o capital social que permite a transação do capital privado, que se respeitem os contratos, que se mantenham as promessas, que se cumpram as expectativas. A democracia é o oceano comum no qual todos esses barcos se mantêm flutuando com a competência do mercado e de seus marinheiros fiscais briguões.
Assim, ainda que os empréstimos sejam ruins, e os banqueiros avaros, e que os gestores dos hedge funds sejam estúpidos, e os investidores ignorantes, são quatro décadas de desdemocratização o porquê deste desastre. Uma hemorragia de capital social de que ninguém se dava conta porque supunha que o governo era o problema e os mercados, a solução. O thatcherismo desbocado e o reaganismo exuberante lançaram suas invenctivas contra o governo até que os cidadãos fossem literalmente dissuadidos a respeito da democracia.
O governo era presumivelmente malvado, só que o governo não era mais que uma ferramenta da democracia, não muito eficiente e amiúde insuficientemente responsável, mas ferramenta da democracia, contudo. E o verdadeiro produto da democracia era a confiança. À medida que a guerra contra o governo se converteu em guerra contra a democracia, foi secando o poço de capital social e se erodindo a confiança, provocando a perda de fé dos cidadãos nos demais e em seu poder de governarem a si mesmos.
Por que os consumidores teriam, agora, de confiar nos bancos? Ou os banqueiros confiarem uns nos outros? Ou os investidores confiarem no mercado de valores? Ou fiar-se absolutamente em qualquer que seja o presidente dos EUA ou o Secretário do Tesouro ou membros do parlamento ou do Congresso, que não confiam na sua própria direção?
A confiança é ao mesmo tempo preciosa e precária, fundacional, mas frágil. Não há alavancagem sem confiança. Não há mercado de habitação sem fé. Não há mercado de valores sem fidelidade. Não há comércio internacional sem fiabilidade. Todas essas coisas são produtos do capital social, todos vítimas do “nexo do dinheiro” que Marx associava à essência do capitalismo. Porque o capitalismo tem suas raízes no egoísmo e no interesse próprio e se consagra necessariamente ao bem estar dos acionistas e não aos bens comuns; e assim é incapaz de gerar a confiança de que depende. A saída da crise exige algo mais que sustentar bancos e bombear bilhões para o mercado creditício congelado. Significa que os consumidores também devem ser cidadãos se vão respeitar contratos, promessas e hipotecas.
A lição? O remédio hoje em dia não está simplesmente em desalavancar, mas em redemocratizar. Em seguida, recriar o capital social e a confiança. Então, e só então, os mercados acalmarão e as entidades de crédito voltarão a emprestar, os investidores investirão mais uma vez, os consumidores voltarão a adquirir casas e – com a economia privada uma vez mais subordinada ao bem público – a prosperidade será de novo possível, disciplinada pela confiança cívica e pela justiça democrática.

Benjamin Barber é escritor, autor de Strong Democracy (1984), Jihad vs McWorld (1985 - com uma edição pós 11/9, traduzido em 20 línguas) e Consumed: How Markets Corrupt Children, Infantilize Adults and Swallow Citizes Whole (2007). É presidente e diretor da Ong CivWorld (www.civworld.org). Site: www.benjaminbarber.comPublicado em Sin Permiso, 2 de novembro de 2008.

Postado por Daniel


Nenhum comentário: